Ensino Religioso Confessional nas Escolas Públicas: um grande retrocesso


Os ministros decidiram que o ensino religioso pode ser confessional, ou seja, ter como professor o representante de uma religião específica.

Quando pensávamos que a perspectiva da pluralidade de ideias que estava sustentando a proposta da diversidade religiosa e que tais questões deveriam agora ser aprofundadas no sentido de incluir todas as religiosidades no debate educacional, nos deparamos com um triste retrocesso, que recoloca as religiões dominantes no leme das proposições.

Conforme destaca a Agência Brasil (EBC)[1]

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por 6 votos a 5, que o ensino religioso nas escolas públicas pode ter natureza confessional, isto é, que as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica.

Essa decisão contrapõe a proposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) de 2010, quando destaca que o ensino religioso deve se pautar em princípios e conhecimentos que reconheçam a importância das diversas doutrinas, com foco no debate e na reflexão das dimensões práticas, históricas e sociais, sem privilégio para nenhum credo.

Com base nessa ideia, todas as doutrinas seriam contempladas no processo de ensino aprendizagem escolar, de modo a garantir a inclusão de todos os estudantes nas aulas de ensino religioso, porque as suas religiosidades fariam parte da programação curricular.

Mas, pela proposta aprovada corremos o risco de as religiões dominantes serem privilegiadas em detrimento daquelas que ao longo da história são excluídas impiedosamente.

Isso significa que não só as doutrinas serão excluídas do debate educacional, mas junto com elas os estudantes que as seguem.

O argumento de que não haverá conflito de ideias religiosas no contexto escolar e que tal decisão não interfere na laicidade do estado é pura ilusão, tendo em vista que a proposta é de que a disciplina seja ofertada em caráter estritamente facultativo.

Pela tese vencedora, o ensino religioso nas escolas públicas deve ser estritamente facultativo, sendo ofertado dentro do horário normal de aula. Fica autorizada também a contratação de representantes de religiões para ministrar as aulas (EBC)[2].

Acreditamos que as famílias que não praticam a religião a ser adotada pela escola, se abdicarão de matricularem seus filhos e/ou suas filhas numa disciplina que não corresponde aos seus ensinamentos religiosos.

Por mais que se proponha falar de todas as religiosidades se prevalecerá a proposta da escola, cujo foco será da religião adotada.

Daí a nossa reflexão de que a decisão tomada pelo STF tem interferência direta na perspectiva da laicidade do estado.

É muito descaso com o sentido de inclusão que tanto almejamos, com o fortalecimento da diversidade de ideias e opiniões que tanto lutamos, uma vez que nessas aulas, possivelmente serão matriculadas as pessoas que concordam com as doutrinas a serem ministradas.

Vale destacar também, que os princípios das diferentes doutrinas devem ser ensinados pelas instituições religiosas, não cabe à escola exercer esse papel. 

Por isso, a nossa indignação com tamanha falta de responsabilidade e falta de respeito com as famílias brasileiras.

O que pensam alguns especialistas?

Escola pública é lugar para todos os tipos de crenças e pessoas. Nas aulas de ensino religioso a gente tem a oportunidade de conhecer esses credos de maneira científica e respeitosa, construir diálogo para poder ler e interpretar a sociedade de maneira mais fundamentada e menos com base em preconceito e “achismo". (Cecchetti[3], G1[4].)

A escola é o lugar onde se pode estudar as coisas de maneira científica, e esse conhecimento ilumina as práticas, ilumina as concepções das pessoas, e isso pode sempre fomentar atitudes pelo menos de reflexão, de argumentação. Ele pode não concordar com a crença do outro, mas deve respeitá-la. Então, saber lidar com o pensamento divergente. E isso nós perdemos, nesse momento.[5]

É um enorme retrocesso, especialmente num momento em que a intolerância religiosa cresce no país. Mas a ciência da religião avança no Brasil e certamente haverá resistência em amplos setores da Educação brasileira, que vem construindo uma tradição pedagógica laica nas últimas décadas[6] (Cavalcanti )[7]

Muitas perguntas, poucas respostas

- Diante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, a pergunta que fica é: o que pode acontecer daqui para frente?[8]

- Qual religião será adotada pelas escolas? 

- Qual representante religioso ministrará a disciplina? 

- Em qual escola devemos matricular nossas crianças, adolescentes e jovens?
 
Voto de Celso de Mello contra o ensino religioso confessional

"O Estado brasileiro não pode legitimar tratamentos diferenciados que estabeleçam distinções entre pessoas com base em suas convicções religiosas, pois, em face dos estatutos que regem esta República laica, mostram-se irrelevantes, sob estrita perspectiva de ordem constitucional, as opiniões religiosas que sustentem esta ou aquela preferência confessional ou, até mesmo, que se mostrem alheias a qualquer tendência de índole religiosa. (Celso de Mello)[9]"

Clique aqui para ler o voto.



[3] Elcio Cecchetti, coordenador-geral do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (Fonaper)
[7] Carlos André Cavalcanti, professor do curso de ciência da religião da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e líder do Grupo Videlicet - Estudos em Religiões, Intolerância e Imaginário.

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