E-ARTIGO: As implicações da Interação entre o “eu e o outro” no processo de constituição da criança
Figura Reprodução: Google Imagens |
As implicações da Interação entre o “eu e o outro” no
processo de constituição da criança[1]
Ana Maria
Louzada[2]
Este artigo se baseia numa pesquisa, onde procuramos
analisar o discurso que permeia as relações pedagógicas e as suas implicações
no processo de constituição da criança, numa instituição de Educação Infantil.
Assim, analisamos o movimento das diferentes interlocuções no decorrer das
práticas pedagógicas.
Para tanto, procuramos focar nessa análise dois aspectos
que permeiam a interação entre o “eu e o outro”: a forma e o conteúdo. Quando
destacamos a forma, nos ancoramos no como as crianças interagem com a professora
e com os seus pares. Em relação ao conteúdo focamos o discurso que permeia as
diferentes enunciações/interlocuções no contexto das práticas pedagógicas.
Com base em tais questões procuramos considerar:
- Temas abordados no decorrer das interações entre a criança-criança e entre crianças-professoras em sala de aula.
- Temas abordados no decorrer das interações entre a criança-criança e entre crianças-professoras em sala de aula.
- Conteúdos dos temas abordados.
- A forma como os diferentes temas eram abordados.
Nesse sentido, procuramos evidenciar o discurso que
permeava os momentos em que a professora procurava chamar a atenção das
crianças, visando:
- Estabelecer limites.
- Orientar sobre uma atividade a ser realizada.
- Ensinar conhecimentos científicos.
Desenvolvemos a pesquisa ancorada nos pressupostos
teóricos de cunho sócio-histórico, com base nos estudos de Vygotsky, Luria,
Leontiev, Bakthin, dentre outros.
Para Bakthin (1992b), aquilo que nós falamos é o
conteúdo do discurso, o tema de nossas palavras. Mas o discurso de outra pessoa
é mais do que um tema, tendo em vista que ele pode entrar no discurso e na
construção sintática, como uma unidade integral da construção, ou seja, para
penetrar completamente no seu conteúdo, é indispensável integrá-lo na
construção do discurso.
Isso porque a língua não é o reflexo das hesitações
subjetivas e psicológicas, mas das relações sociais estáveis dos falantes,
pois,
[...] toda essência da apreensão apreciativa da
enunciação de outrem, tudo que pode ser ideologicamente significativo tem sua
expressão no discurso interior. Aquele que apreende a enunciação de outrem não
é um ser mudo privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras
interiores [...] a palavra vai á palavra (BAKTHIN, 19992b, p. 147).
É com base no discurso interior que se efetua a
apreensão da enunciação de outra pessoa. Os diferentes tipos e formas de
discurso que permeiam a interação entre o “eu e o outro” nos revelam as
implicações da organização hierarquizadas das relações sociais sobre as formas
de enunciação.
Nesse sentido, pelo fato de se constituir no lócus das
interlocuções sociais, o signo ideológico é marcado pelo horizonte social de
uma época e de um grupo social determinado, isto é, pelo contexto das relações
sociais mais imediatas e concretas, pois o tema ideológico possui sempre um
índice de valor social, que chega igualmente à consciência individual,
revelando com isso que a consciência individual o absorve como seu.
Mas na realidade, o tema ideológico não se encontra na
consciência individual pelo fato de seu índice de valor ser por natureza
interindividual. E ainda, o processo de
formação de conceitos, que é a maneira básica com que o adulto influi na
criança, constitui o processo central do desenvolvimento intelectual infantil
(LURIA, 1978, p.11).
Isso significa que a criança, vai construindo o seu
autoconceito nas interações sociais, de forma que se sinta incluída ou não no
processo educativo e consequentemente nos diferentes tempos e espaços em que
vivem.
O episódio 1, a seguir, evidencia o papel que as
crianças assumem num momento de conflito e a forma como a professora conduz a
interação verbal, impossibilitando que réplicas e comentários a respeito do
tema do discurso aconteçam.
Episódio 1 - “Ô
Mãe!... Não quero aprender. Eu quero ser gari".
Henrique, Tomás, Wellingthon, Edson e Odair estão em pé
encostados à parede. A professora pede a Pedro, que está sentando no chão, que
se levante e fique junto dos demais colegas e inicia a sua fala perguntando:
__ Por que vocês não estavam prestando atenção? Que
coisa feia... Muito engraçadinhos vocês... Eu ensinando aqui n frente... E
vocês brincando... Conversando. Eu sou alguma palhaça? Me esforço para ensinar
e vocês nem prestam atenção. Só querem saber de brincar... Atrapalhar quem quer
aprender. Não é Odair? Fica o tempo todo atrapalhando. Não é Seu Pedro? Vocês
só pensam em brincar. Vocês não vão prestar atenção no dever não? Não querem
aprender não? Se não quiser, pode ficar em casa... Ô mãe, não quero aprender.
Não quero. Eu quero ser gari. Vou varrer rua (silêncio). Agora estão ai com cara
de santos, olhando pra mim.
(Edson olha para os colegas, trocam olhares, provocando
ainda mais a professora).
E a professora continua:
__ Vê se eu estou gostando... Se eu estou achando graça,
se estou rindo?
(Pedro olha para Odair e sorri).
A professora retruca:
__ O que foi Pedro? Pedro vou falar para a sua mãe. Sua
mãe falou pra te dar um trato aqui, ouviu? Por que vocês ficam atrapalhando os
colegas estudar?
(Silêncio)
__ Uns meninos pequenos desses. Já pensou quando
estiverem grandões lá na outra escola? Vão atrapalhar todo mundo. Todos vocês
vão ficar no pátio, sentados, sem brincar, porque na hora de fazer o dever
estavam brincando... Então na hora de brincar vão ficar sentados sem fazer
nada. É isso que vai acontecer. Hoje a gente vai para o pátio e vocês não vão
brincar... Não vão. Vão ficar ali sentados, porque hora de estudar é hora de
estudar, hora de brincar é hora de brincar. Brincar na hora de estudar...
Beleza... Na hora de brincar, vão ficar sem fazer nada. Já brincou o suficiente.
Já cansou de brincar. Então não precisa brincar mais. Entenderam né? Acho que
não estou sendo injusta com ninguém, não. Pedro, Odair, Welingthon, Edson,
Tomás e Henrique... Lanchou... Vão pro pátio ficar sentados. Não vão brincar.
Vocês já cansaram de brincar aqui dentro da sala. Então se brincou... Não
precisa brincar mais.
(As crianças olham uma para a outra)
__ O que foi? Retruca a professora. Não estão gostando?
Vocês não prestam atenção, quando estou ensinando. Não ficam quietos. Vocês só
têm a perder comigo. Pronto!
Podemos verificar, nesse episódio, que a professora
conduziu a sua fala sem dar oportunidade às crianças de dialogarem,
impossibilitando com isso uma discussão do tema em foco.
Quando ressalta o nome de cada criança complementa com
enunciados a expectativa que tem de cada uma: Não querem aprender não? Se não quiser, pode ficar em casa... Ô mãe,
não quero aprender. Não quero. Eu quero ser gari. Vou varrer rua. (Silêncio).
No silêncio também ecoam palavras, é como se fosse o momento de as crianças internalizarem que o seu destino é ser gari e que ser gari não é coisa boa. Só é gari aquele que demonstra incompetência no que se refere às produções intelectuais da escola.
No silêncio também ecoam palavras, é como se fosse o momento de as crianças internalizarem que o seu destino é ser gari e que ser gari não é coisa boa. Só é gari aquele que demonstra incompetência no que se refere às produções intelectuais da escola.
As questões ideológicas que permeiam o referido discurso
nos mostram o quanto uma relação hierarquizada e autoritária vivenciada no
contexto das práticas pedagógicas pode ter implicações no processo de
constituição da criança.
Essa forma de se relacionar com a criança pode conduzi-la a se ver de forma estereotipada, pois, dessas cinco crianças, os pais de quatro exercem funções semelhantes à de gari: são serventes/zeladores (pessoas que cuidam da limpeza de prédios, escolas, etc.), ajudantes de pedreiro e domésticas.
Essa forma de se relacionar com a criança pode conduzi-la a se ver de forma estereotipada, pois, dessas cinco crianças, os pais de quatro exercem funções semelhantes à de gari: são serventes/zeladores (pessoas que cuidam da limpeza de prédios, escolas, etc.), ajudantes de pedreiro e domésticas.
Esta forma de interação verbal estabelecida nos é
mostrada mais uma vez no episódio 2, com a falta de oportunidade que as
crianças têm de externar suas opiniões e o modo como a professora conduz as
conversas.
Episódio 2 - “Sem
pé nem cabeça”
A professora senta no chão e chama todas as crianças.
Não fala o que vão fazer, mas mesmo assim todos correm e sentam. A professora
pega um livro de histórias e inicia a conversa:
__ Crianças, olha só... (interrompe para chamar atenção)
Crianças, prestem atenção numa coisa aqui. Dá uma olhada neste livro.
Henrique pergunta:
__ Cadê? (e se aproxima para ver melhor).
A professora responde:
__ Espere, estou só mostrando. Por acaso dá pra gente
ler esta história aqui?
As crianças respondem em coro:
__ Não!
A professora então indaga:
__ Por quê?
Ariana responde:
__ Porque rasgaram o livro todo.
Sara fala:
__ Porque a história está assim, oh! Sem capa.
__ Quem rasgou? _ Pergunta a professora.
Henrique responde:
__ Foi a turma da manhã.
A professora pergunta em tom duvidoso:
__ Será que foi a turma da manhã que rasgou?
As crianças respondem em coro:
__ Não!
A professora continua:
__ Será que é só a turma da manhã que rasga livros?
As crianças em coro:
__ Não!
Sara completa:
__ Não, até os da tarde!
Professora:
__ E porque que rasgam os livros?
Laura:
__ Porque não têm cuidado.
Sara:
__ Por que são mal-educados.
Professora:
__ E agora. O que a gente vai fazer para saber da
história do Tatu Bola?
E agora?
Ariana fala:
__ Quem rasgou tem que pagar.
A professora intervém, dizendo:
__ Não. Não é assim, não. Não é pra rasgar. E agora,
Tomás, como é que vamos fazer para ler a história, se o livro está rasgado?
Hem? Henrique? Como vamos fazer para ler a história se está faltando página?
Como vamos fazer agora? Vai ficar sem pé nem cabeça! (...) Livro é pra ler, pra
aprender, para descobrir as letrinhas. Sabe o que eu vejo de vez em quando? Um
pega o livro e ta... Na cabeça do colega. É pra isso?
As crianças respondem em coro:
__ Não!
__ Aí vem o Odair... (Continua a professora) Me dá esse
livro. Ai a Sara fala: Não. Ai ele fala: Me dá. E zupe... Puxa o livro... É
assim?
Todos começam a rir.
__ É assim? Pergunta a professora.
__ Não! Respondem as crianças dando gargalhadas.
Professora:
__ É assim, que faz Odair? É assim, Pedro? Então vamos
combinar isso agora, hem! Eu não quer saber de criança puxando o livro da mão
do colega, nem batendo com o livro na cabeça...
Como podemos observar, a interação verbal foi conduzida
de forma que as crianças dessem respostas de acordo com o que a professora
desejava ouvir, evidenciando respostas automatizadas, em coro.
Toda vez que a professora devolvia a resposta das
crianças em forma de pergunta, as crianças em coro, respondiam de acordo com a
expectativa da professora.
Isso porque as perguntam da professora tinha um tom duvidoso:
__ Será que foi a turma da manhã que rasgou? As crianças respondem em coro: Não! A professora continua: Será que é só a turma da manhã que rasga livros? As crianças em coro: Não!
__ Será que foi a turma da manhã que rasgou? As crianças respondem em coro: Não! A professora continua: Será que é só a turma da manhã que rasga livros? As crianças em coro: Não!
As enunciações que permeiam o referido discurso nos evidenciam
que as crianças fazem o jogo estabelecido no curso das interações verbais,
apontando para uma concepção de educação e de linguagem que se pautam em
pressupostos que defendem a formação de indivíduos subalternos, submissos,
manipuláveis, pois as crianças eram conduzidas a dar respostas padronizadas e
alienadas.
Podemos também observar, no episódio 2, que as crianças
que se julgam incapazes de realizar tal coisa “rasgar o livro” se colocam fora
do contexto ao emitirem as suas opiniões: Será
que é só a turma da manhã que rasga livros? As crianças em coro: Não! Sara completa: Não, até os da tarde!
Professora: E porque que rasgam os livros? Laura: Porque não têm cuidado. Sara:
Por que são “mal-educados”.
As crianças respondem indicando que foi o outro. Mas
esse outro tem nome real, pois indicam que os que rasgam não têm cuidado e são
mal-educados e seus nomes são citados pela professora e por Laura e Sara. Ao
ilustrar como que o livro foi rasgado, e ao citar os nomes de cada criança a
professora revela a expectativa que tem dessas crianças: “sem interesse em
aprender”.
As crianças cujos nomes foram citados são evidenciadas
de forma a se verem nesse processo como alguém que costuma rasgar os livros,
que utilizam o livro para brincar e ou brigar, que não usam o livro para ler, e
por causa deles, agora todos não podem ler o livro.
É importante sublinhar que coincidência ou não, as
crianças que foram punidas no episódio 1 são as mesmas destacadas no episódio
2.
No episódio 1, fica bem claro que as crianças, convocadas a permanecerem na sala de aula, foram punidas não porque estavam conversando, mas porque ainda não sabem ler e escrever, pois aquelas que já sabem ler e escrever algumas palavras também estavam conversando. Mas não foram punidas.
No episódio 1, fica bem claro que as crianças, convocadas a permanecerem na sala de aula, foram punidas não porque estavam conversando, mas porque ainda não sabem ler e escrever, pois aquelas que já sabem ler e escrever algumas palavras também estavam conversando. Mas não foram punidas.
Com base nessas constatações, podemos inferir que a
ideia que subjaz nas interações sociais vivenciadas em sala de aula, além de
revelar a expectativa que a professora tem das crianças, também nos evidencia a
ideia de que as crianças ainda não sabem ler e escrever, porque são
indisciplinadas, sem interesse, enfim, porque conversam muito.
Participando desta experiência, a criança vai se constituindo conforme essa expectativa, isto é, a criança vai se apropriando da forma como é vista pelo outro e vai se objetivando nas interações sociais com o que esperam delas.
Participando desta experiência, a criança vai se constituindo conforme essa expectativa, isto é, a criança vai se apropriando da forma como é vista pelo outro e vai se objetivando nas interações sociais com o que esperam delas.
No episódio 3, a seguir, podemos ver claramente que o
discurso que permeia o contexto das práticas pedagógicas, está cheio de
palavras do outro, revelando a forma como cada um se vê e como cada um vê o outro.
Vejamos:
Episódio 3 -
Confraternização ou exclusão?
A professora se reúne com a turma num canto da sala para
ensaiar a música que vão cantar num momento de confraternização que está para
acontecer. A professora pergunta:
__ O que vocês acham da gente apresentar a música d
casinha, fazendo gestos para todo mundo ver?
Tomás fala baixinho:
__ Eu não vou.
Sara discordando de Tomás, fala:
__ Eu vou.
Ariana diz:
__ Eu também não vou.
A professora, percebendo que algumas crianças se recusam
a participar, pergunta:
__ Quem quer?
Algumas crianças em coro:
__ Eu quero!
Henrique fala:
__ Ariana não quer.
Laura interfere, chamando a atenção de Ariana:
__ Você não vai não, Ariana? (tom de voz solicitando a
permanência de Ariana no grupo).
Ariana balança a cabeça, dizendo que sim. Tomás ameaça
participar, mas permanece no lugar.
__ Quem quer ficar aqui. Vai, Tomás. Você não quer.
Tomás. _ Fala a professora em tom zangado.
Tomás balança a cabeça dizendo que não, mas com o corpo
inclinado para frente, como se estivesse com vontade de ir. Mas a professora
fala:
__ Então senta aqui (apontando para trás).
As interações sociais vivenciadas em sala de aula,
representadas no episódio 3, mostram-nos que o discurso que permeia as relações
pedagógicas, nessa situação, foi conduzido por meio de entonações que exprimem
as apreciações daqueles que dela fazem parte, que por sua vez, são determinadas
pela situação social imediata.
No momento em que Tomás disse que não queria participar
da brincadeira, analisamos que o mesmo procurava protestar contra algo com que
não concordava, desencadeando vários outros protestos.
Mas no decorrer das enunciações dos demais colegas, ouve-se vozes dizendo que querem participar, mesmo sem saber muito bem do que se trata. Provavelmente para agradar a professora e, consequentemente, para não serem repreendidos.
Mas no decorrer das enunciações dos demais colegas, ouve-se vozes dizendo que querem participar, mesmo sem saber muito bem do que se trata. Provavelmente para agradar a professora e, consequentemente, para não serem repreendidos.
As enunciações das crianças que argumentavam não querer
participar da brincadeira não significavam que essas crianças não estavam
gostando do fato de terem que fazer uma apresentação, mas que não concordavam
com a música que a professora havia escolhido para cantar.
Uma dessas enunciações era a de Tomás, uma criança
considerada indisciplinada e sem interesse. A outra era Ariana, considerada um
exemplo para a turma, pois já sabia ler e escrever algumas palavras. Embora
conversasse muito durante as aulas, até mais do que Tomás, tinha uma relação
diferenciada com a professora e com os colegas.
A forma como essas crianças, Tomás e Ariana são vistas
pela professora gera expectativas diferentes, causando espanto nos colegas,
quando Ariana diz que não vai participar, de forma que tanto a professora
quanto as crianças incentivam a sua participação. Já com Tomás acontece o
contrário. Pouca importância é dada, quando ele também diz que não vai
participar. De certa forma, ele foi induzido a não participar.
O fato de Tomás estar com o corpo inclinado para frente,
demonstrando desejo de participar da brincadeira, não causou nenhuma alteração
na entonação do enunciado da professora e nem provocou as demais crianças a
solicitarem a sua presença.
Observamos, pelo contrário, que a entonação da professora o suscita a dizer “não”... Tanto pelo fato de que não concordava com a música escolhida, como pelo fato de que o enunciado da professora o induzia a dar essa resposta.
De acordo com Bakthin (1992b), as tonalidades dialógicas influenciam as diferentes enunciações, tendo em vista que nosso próprio pensamento nasce e forma-se em interação e em luta com o pensamento alheio (...). É por essa razão que o enunciado é repleto de reações-respostas a outros enunciados numa dada esfera da comunicação verbal (p.316-317).
Observamos, pelo contrário, que a entonação da professora o suscita a dizer “não”... Tanto pelo fato de que não concordava com a música escolhida, como pelo fato de que o enunciado da professora o induzia a dar essa resposta.
De acordo com Bakthin (1992b), as tonalidades dialógicas influenciam as diferentes enunciações, tendo em vista que nosso próprio pensamento nasce e forma-se em interação e em luta com o pensamento alheio (...). É por essa razão que o enunciado é repleto de reações-respostas a outros enunciados numa dada esfera da comunicação verbal (p.316-317).
É nesse sentido, que a nossa consciência desperta,
envolvida na consciência alheia. A atividade mental do sujeito se constitui a
partir do território social, evidenciando com isso que a enunciação, ou mesmo a
expressão de uma necessidade qualquer, é socialmente dirigida.
Quando Laura pergunta a Ariana Você não vai não? Por quê? Ariana, você não vai não Mesmo estando
na negativa, sua fala evidenciava a convocação desta a participar da
brincadeira. O mesmo aconteceu quando a professora perguntou: Você quer ou não, Ariana?
A expectativa que se tinha de Ariana era a de que participasse da apresentação. Já a omissão das crianças em relação ao que acontecia com Tomás se reforça com a pergunta irritada da professora: Vai Tomás. Você não quer Tomás? Então senta aqui.
A expectativa que se tinha de Ariana era a de que participasse da apresentação. Já a omissão das crianças em relação ao que acontecia com Tomás se reforça com a pergunta irritada da professora: Vai Tomás. Você não quer Tomás? Então senta aqui.
Ninguém queria saber por que Tomás não queria
participar. Nem a professora. Talvez isso implicasse confrontar a escolha da
professora com a que possivelmente ele, Tomás, pudesse sugerir e, além de tudo,
o fato de ele desencadear algumas enunciações de protesto logo foi abafado pela
professora, quando ressaltou em tom ríspido: Quem quer fica pé, quem não quer vem pra cá.
Assim, Tomás se viu, no dever de aceitar a determinação da professora, pois, de qualquer modo, ele ficaria fora da brincadeira. Ele seria excluído. Isso porque, ao desencadear uma situação de conflito, Tomás foi de certa forma, punido.
Assim, Tomás se viu, no dever de aceitar a determinação da professora, pois, de qualquer modo, ele ficaria fora da brincadeira. Ele seria excluído. Isso porque, ao desencadear uma situação de conflito, Tomás foi de certa forma, punido.
A interação desse último episódio reflete uma série de
outras situações do cotidiano das relações sociais e que se concretizam no
decorrer das relações pedagógicas vivenciadas em sala de aula, pelo fato de
estas pessoas, crianças e professora fazerem parte desta cotidianidade.
No cotidiano das práticas pedagógicas, Tomás quase não
interage com as demais crianças e, em nenhum momento, com a professora.
Primeiro porque sua ajuda nunca é solicitada. Segundo, porque nos raros dias em
que ousa conversar e dar gargalhadas e/ou provocar alguém para chamar atenção
sobre si mesmo, é repreendido tanto pela professora quanto pelos próprios
colegas.
Observando tais questões, percebemos que a linguagem, no
seu uso cotidiano, no decorrer das práticas sociais e culturais, é inseparável
do seu conteúdo ideológico. Portanto, a constituição da criança, da
individualidade infantil, da consciência de si mesma é mediada pela linguagem.
Desta forma, leva-nos a considerar que a exclusão social
tem acontecido no lócus das diferentes esferas de interação entre o “eu e o
outro”, inclusive no lócus da esfera escolar.
Nessa esfera educativa, ou pelo menos onde deveria
acontecer uma educação cidadã, que promovesse a constituição da consciência
crítica se limita a promover uma educação de cunho alienado.
A criança nesse contexto de interlocução se constitui com um conceito negativo de si mesmo e do outro, pois a formação do conceito de si, não está no interior da criança, mas sim na interação da mesma com o contexto na qual está inserida.
A criança nesse contexto de interlocução se constitui com um conceito negativo de si mesmo e do outro, pois a formação do conceito de si, não está no interior da criança, mas sim na interação da mesma com o contexto na qual está inserida.
A consciência individual do homem só pode existir nas
condições em que existe a consciência social. A consciência é o reflexo da
realidade, refratada através do prisma das significações e dos conceitos
linguísticos, elaborados socialmente (LEONTIEV, 1978, p.88).
De acordo com o que verificamos a criança não só se
apropria das regras do jogo imanente nos diferentes discursos, como também se
objetiva no jogo das interações sociais.
Por isso, o espaço da sala de aula deve ser, ao contrário da visão monológica, autoritária e individualista, um espaço que impulsione o desenvolvimento da autonomia, do espírito de coletividade e do senso crítico das crianças.
Um espaço que prima pelo respeito mútuo e companheirismo e, acima de tudo, que conceba as crianças como seres interativos, envolvidos nos processos históricos e socialmente determinados, e, portanto um espaço de inclusão.
Por isso, o espaço da sala de aula deve ser, ao contrário da visão monológica, autoritária e individualista, um espaço que impulsione o desenvolvimento da autonomia, do espírito de coletividade e do senso crítico das crianças.
Um espaço que prima pelo respeito mútuo e companheirismo e, acima de tudo, que conceba as crianças como seres interativos, envolvidos nos processos históricos e socialmente determinados, e, portanto um espaço de inclusão.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
BAKTHIN, Mikhail. Estética
da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992a.
___. Marxismo e
filosofia da linguagem. 6 ed. São Paulo: HUCITEC, 1992b.
LEONTIEV, Alexis. Linguagem
e razão humana. Lisboa: editorial Presença, s/d.
___. O
desenvolvimento do psiquismo. Belo Horizonte: Horizonte Universitário,
1978.
___. Uma
contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: VYGOSTSKY,
Lev. S., LURIA, Alexander R., LEONTIEV, Alexis N. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. São Paulo: Cone Editora, 1994.
LURIA, Alexander R. Desenvolvimento
cognitivo. São Paulo: Cone Editora, 1994.
___. Pensamento e
linguagem: as últimas conferências. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
LURIA, Alexander R., YUDOVICH, F.I. Linguagem e desenvolvimento intelectual na criança. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1987.
VYGOTSKY, Lev S. A
formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
___. Pensamento e
linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
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