PROJETOS DE ESTUDOS: Implicações no Processo de Formação da Consciência Crítica
A proposta de organização do trabalho pedagógico
por meio de Projetos de Estudos tem como premissa básica a formação de sujeitos
com consciência crítica. [2]
Para tanto, necessário se faz romper com as
práticas pedagógicas que insistem em considerar a criança um ser inacabado; ou
um ser que se basta no processo de aprendizagem e desenvolvimento, e, ainda,
não dá para continuarmos com práticas em que as crianças são vistas como meras
executoras.
O Projeto de Estudo, como o próprio nome já diz,
precisa ser planejado, sonhado, registrado e sistematizado de forma
compartilhada.
E em se tratando de projetos para estudos, implica
em ser detalhado no sentido de garantir às crianças/estudantes, a produção, a
apropriação e a objetivação dos conhecimentos, num processo de interlocução
entre o conhecimento cotidiano e o conhecimento científico.
Isso significa dizer, que o seu detalhamento exige
uma organização didática, na qual chamamos de Sequência Didática. As Sequências
Didáticas promovem a objetivação dos estudos a serem realizados no decorrer do
projeto. Constitui o detalhamento necessário para a apropriação dos
conhecimentos científico.
Esse detalhamento didático, na qual intitulamos de
Situações de Ensino e de Aprendizagem, é o passo a passo da Sequência Didática.
Assim, por meio das Situações de Ensino e de
Aprendizagem, devemos promover experiências, discussões, reflexões e estudos
que promovam a interlocução entre os conhecimentos cotidianos e científicos, de
forma que as crianças compreendam o espaço e tempo em que vivem, com vistas a
atuarem nesse espaço e tempo com consciência crítica.
A proposta de estudos por meio de projetos é
político-pedagógica, tendo em vista que:
- As crianças precisam ver sentido no que estão aprendendo no lócus
da escola. Por isso precisam viver experiências significativas.
- O trabalho com Projeto de Estudos, nos permite dialogar com as
múltiplas linguagens e com os diferentes conhecimentos das diversas áreas
do saber, numa perspectiva interdisciplinar.
- Os estudos realizados por meio de projetos, nos permitem ir ao
encontro das reais necessidades das crianças/estudantes.
- O processo de ensino e de aprendizagem se constitui com mais
sentido e significado, uma vez que os estudos a serem realizados têm motivo
real, objetivo real e interlocutores reais.
- A mediação pedagógica, tem como princípio a aprendizagem
compartilhada.
- As crianças se inserem no projeto enquanto sujeito de direito -
direito a vez e voz.
- A proposta de estudos por meio de projetos se ancora na premissa de
que devemos considerar as práticas sociais e culturais infantis, Etc.
Vale destacar, que a organização do trabalho
pedagógico por meio de projetos de estudos, tem como premissa básica a formação
das crianças (dos/as estudantes) num processo dialógico, em que a linguagem se
revela instrumento mediador, e com implicações significativas no processo de
constituição da individualidade (constituição da consciência), na qual se
promovem o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
A constituição da consciência pode ser explicada
com base nos princípios da interação entre o “eu e o outro”, que ocorre no
cotidiano das práticas sociais e culturais. A consciência se constitui na/pela
interação entre objetivação e apropriação, enquanto mediadora entre a
vida/experiência do indivíduo e a história do gênero humano.
Conforme nos fala Bakthin (1992b),
(...) tudo o que me diz respeito, a
começar por meu nome, e que penetra em minha consciência, vêm-me do mundo
exterior, da boca do outro, e me é dado com a entonação, com o tom emotivo dos
valores deles. Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros:
deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação original
da representação que terei de mim mesmo (...). Assim como o corpo se forma
originalmente dentro do seio (do corpo) materno, a consciência do homem
desperta envolta na consciência do outro (p. 378).
O indivíduo/sujeito se constitui no processo de
interlocução entre o “eu e o outro” e essa constituição se realiza por meio da
relação entre a apropriação e a objetivação dos diferentes
conceitos/conhecimentos que permeiam as práticas sociais e culturais, na qual
acontecem as múltiplas interações entre os sujeitos.
Assim, no que se refere ao processo educativo de
cunho didático-pedagógico, aquele que acontece no contexto da escola,
precisa-se destacar o seu caráter eminentemente científico e político, e que,
portanto exige mediação pedagógica, de forma consciente, crítica e instigadora.
Inicialmente, a individualidade não se revela de
forma consciente. Isso significa que num primeiro momento demonstra uma relação
espontânea entre o indivíduo e as objetivações produzidas ao longo da história.
Nesse sentido, os conhecimentos cotidianos, aqueles
produzidos, apropriados e objetivados no cotidiano das práticas sociais e
culturais informais, promovem a constituição da consciência humana, mas não
garante que a mesma ocorra de forma crítica.
Por isso, defendemos uma educação que leve em
consideração a formação da individualidade que acontece no cotidiano das
interações sociais e culturais realizadas nas diferentes esferas de interação
social e cultural (na família, na comunidade, na igreja que frequenta, dentre
outras).
Levar em consideração essa realidade significa
considerar as práticas sociais e culturais vividas nesse cotidiano, na qual
chamamos de conhecimento cotidiano, e assim, promover a sua interlocução com os
conhecimentos científicos, com vistas à constituição da consciência crítica.
Nesse sentido, precisamos considerar a importância
das práticas pedagógicas que objetivam os conhecimentos científicos de forma
reflexiva. Daí a importância da mediação pedagógica problematizadora, na qual
denominamos de metodologia de mediação didática-pedagógica dialógica, enfim,
uma metodologia comprometida com a emancipação do sujeito.
Estamos falando de uma emancipação empreendedora,
quando as pessoas estão comprometidas politicamente com o espaço e tempo em que
vivem, com o outro (o próximo) e consigo mesmas.
Pessoas que se relacionam com os espaços e tempos
em que vivem de forma questionadora, que saibam ler nas entrelinhas as
artimanhas das ideologias que permeiam o nosso cotidiano, como por exemplo, o
consumismo exacerbado; a naturalização da fome do outro; a falta de empatia,
etc.
Isso porque, percebemos que as pessoas têm se
constituído num contexto social, cultural, histórico, ideológico, político e
econômico, em que ainda, infelizmente, existem discriminações, preconceitos
raciais, de gênero, de sexualidade, de classe, de deficiência física, dentre
outros.
O fato de nos constituirmos numa relação de poder e
de severo consumismo, as práticas sociais e culturais tem promovido a formação
da individualidade de forma alienada. E é nessa perspectiva, que defendemos uma
educação que promova atitudes críticas em relação aos tempos e espaços em que
vivemos.
Nesse sentido, dialogamos com Duarte (1993) que no
nosso entender, ao destacar a formação da individualidade em-si e para-si,
evidenciando o papel da escola na superação da individualidade em-si, com
vistas à formação da individualidade para-si, nos instiga repensar as práticas
didáticos-pedagógicas.
Para Duarte (1993),
- O indivíduo em-si alienado não mantém
uma relação consciente também com sua particularidade. Ele se identifica
espontaneamente com ela, assim como se identifica espontaneamente com os
elementos da generecidade dos quais precisa se apropriar para viver em seu meio
social;
- O indivíduo para-si é o ser humano
cuja individualidade está em permanente busca de se relacionar conscientemente
com sua própria vida, com sua individualidade, mediado pela também constante
busca de relação consciente com o gênero humano;
- O indivíduo em-si alienado não conduz
a sua vida cotidiana, mas é por ela conduzido. Assume como natural a hierarquia
espontânea das atividades cotidianas que encontra pronta em seu meio social
imediato, hierarquia está determinada pelas relações sociais, desde as relações
de produção, até as relações mais imediatamente relacionadas à sua disposição
no quadro das relações alienadas;
- O processo educativo não pode ser
visto apenas como um processo que coloca o indivíduo, em contato com as
objetivações genéricas para-si, [conhecimento científico - ciência, arte,
filosofia, política, etc., mas também e não secundariamente, como um processo
que torna as objetivações genéricas para-si uma necessidade para o pleno
desenvolvimento do indivíduo (Duarte, 1993, 183-196).
Como podemos ver, o processo de formação da
consciência crítica , requer um trabalho consciente no lócus da escola, isto é,
um projeto de estudos que considera a importância da interlocução entre o
currículo vivido e os conhecimentos cotidianos, como ponto de partida e de
chegada, de modo que possa qualificar o processo de apropriação dos
conhecimentos científicos.
Nesse contexto de análise, destacamos também a
importância de dialogarmos com os estudos de Paulo Freire, tendo em vista que
as suas proposições se ancoram em premissas que defendem uma educação
transformadora, uma pedagogia dialógica e práticas
de liberdade.
Sua proposta de trabalho parte sempre de um
contexto concreto para responder a esse contexto. Partir das experiências
concretas, reais e necessárias, bem como, considerar os conhecimentos
cotidianos como ponto de partida e de chegada, é mais uma premissa fundamental
no processo de organização do trabalho pedagógico por meio de projetos de
estudos.
Isso porque, não se promove a formação de pessoas
com consciência crítica, quando planejamos atividades desvinculadas da realidade
cotidiana, e, ainda quando planejamos visando apenas a execução das mesmas
pelas crianças/estudantes.
O educador, que aliena a ignorância, se
mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os
educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a
educação e o conhecimento como processo de busca (...) se o educador é o que
sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele dar, entregar, levar,
transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de “experiência
feito” para ser de experiência narrada ou transmitida. Não é de estranhar, pois
que nessa visão “bancária” da educação, os homens sejam vistos como seres da
adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento
dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a
consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como
transformadores dele. Como sujeitos. (FREIRE, 1974, p. 58-60)
Nesse sentido, necessário se faz considerar que não
dá para organizar Projetos de Estudos com Sequências Didáticas sem
contextualizar os conhecimentos necessários para a emancipação da comunidade.
Não dá para ensinar com parlendas, por exemplo, apenas por causa da sonoridade
das palavras, pois essas atividades têm objetivos em si mesmas, e, ainda tem o
objetivo de formar o educando-massa, com consciência ingênua, num processo de
constituição da individualidade em-si alienada.
Quanto mais problematizarmos e instigarmos as
crianças, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiadas
e encorajadas a enfrentarem os desafios vivenciado.
Esse é o propósito dos Projetos de Estudos!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKTHIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da
linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1992.
DUARTE, Newton. A individualidade para-si:
contribuição a uma teoria-social da formação do indivíduo. São Paulo:
Autores Associados, 1993.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São
Paulo: Paz e Terra, 1997.
________
[1] Mestre em Educação/UFES, Orientadora
Educacional, Consultora Educacional, Escritora, Palestrante
[2] Artigo publicado no Blog
Cantinho de Estudo em novembro/2012
Comentários
Postar um comentário
Inscreva-se no blog e receba as Notícias em primeira mão
Deixe seu comentário!